A maldição do conhecimento (da série sobre vieses cognitivos)

A maldição do conhecimento (da série sobre vieses cognitivos)

Já enfatizei em artigo anterior sobre vieses cognitivos (Os sinais estão por toda parte?) a importância de se atentar para sinais equivocados e não pretendidos em comunicações internas e externas da empresa, especialmente quando esta passa por uma situação de estresse reputacional.

Outro grande problema nas comunicações internas e externas está na maldição do conhecimento, ou seja, na resistência de pessoas bem informadas sobre um determinado assunto em compreender a dificuldade das outras pessoas em acompanhar as razões de uma determinada manifestação ou decisão, por exemplo.

E não se trata de uma soberba pelo fato do conhecimento – se bem que em muitos casos é exatamente isso – mas o da real incompreensão do pensamento ou das limitações informacionais das outras pessoas, especialmente tendo em consideração a cultura média a quem a mensagem é dirigida e os possíveis preconceitos que a mensagem pode gerar indevidamente.

Isso é uma das coisas mais importantes que aprendi em todos esses anos de comunicação constante dos fatos envolvendo a atividade da força-tarefa Lava Jato. Se eu não fosse capaz de trazer a informação sobre uma operação, sobre uma medida ou sobre uma prisão de uma maneira compreensível para a população é porque havia algo intrinsicamente errado com a mensagem, o que comprometeria a imagem da própria investigação.

Enfim, seja como for, devemos evitar a soberba comum ao “sabe-tudo”, bem como o nivelamento por baixo da linguagem. Devemos antes de mais nada aceitar a regra número um da retórica: conheça o seu auditório. Para quem a mensagem é dirigida? Quais são os referenciais culturais comuns entre você, emissor da mensagem, e aqueles que a vão receber?

Além disso, novamente aqui é importante enfatizar, como no artigo anterior, a importância das críticas que outras pessoas com variados backgrounds podem fazer. Submeter previamente a mensagem a análise pode salvar o dia. Já vi erros terríveis de mensagens serem impedidas por um comentário bem-humorado de alguém.

Certamente há momentos em que a decisão ou posicionamento a ser comunicado é contraintuitivo, ou seja, aparenta em uma primeira análise ser contraditória ao senso comum. Especialmente em economia essas situações são corriqueiras. Cabe aqui um trabalho redobrado para mostrar que essas contradições não tem razão de ser. Desmontar os argumentos evitará certamente que certas mensagens equivocadas se tornem virais, pois depois que elas se tornam memes na Internet, pouco se pode fazer para contradizê-las.

Essa regra de comunicação também deve orientar a produção dos documentos de compliance, sejam eles códigos de conduta, campanhas internas ou vídeos informativos. A comunicação eficiente lida com a realidade das pessoas e com a compreensão plena do conteúdo. Códigos de conduta que são meros “copia e cola” de manuais estrangeiros mal traduzidos são um erro. Construir um programa de compliance deve ser feito sobre medida para os riscos que a empresa enfrenta, mas também para a compreensão dos diversos stakeholders – mas isso deixarei para outro artigo.

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