A relação entre a área comercial e a de compliance

A relação entre a área comercial e a de compliance

Uma das questões menos estudadas em compliance é a da tensão entre o responsável pela conformidade e a área comercial em uma empresa. A questão é bem mais complexa do que as abordagens superficiais sobre o tema informam, pois, fazendo um paralelo com estudos de psicologia social na teoria de contratos, tópicos como“moral hazard”, conflito de interesses e vieses cognitivossão normalmente imperceptíveis ou desconsiderados no processo de “negociação” entre as duas áreas.

Até mesmo o uso da palavra negociação pode parecer equivocada, uma vez que gostamos de pensar que ambas as áreas estão automaticamente alinhadas com o interesse da empresa. Isso é verdade, desde que ambos consigam compreender o negócio como um todo, mas o mais comum é que cada uma dessas áreas possua um conjunto próprio de interesses, uma cultura própria por assim dizer,que reflete significativamente no resultado do processo. Assim, não se pode negligenciar a tensão natural entre os dois interesses, especialmente em operações comerciais que possuam grande potencial de lucro, mas também inúmeras áreas cinzentas.

Pretendo desenvolver neste blog alguns ensaios sobre os diversos aspectos desse conflito. Certo é que, já posso antecipar, a posição do setor comercial é sobremaneira superior à do compliance officer por inúmeros motivos que vão desde a assimetria de informações, premência de tempo para o fechamento do negócio, os diversos vieses cognitivos das partes e até mesmo o desejo inconsciente do responsável pelo compliance de não ser visto pela alta administração como um “deal-breaker”.

O primeiro desses aspectos a ressaltar é que a formulação da proposta de negócio pela área comercial induz a fixação de posição difícil de ser confrontada pelo revisor.

Obviamente, não cabe ao compliance officer analisar os aspectos econômicos, financeiros e comerciais da proposta, mas sim delimitar claramente os riscos reputacionais, regulamentares e legais que a operação pode representar. Entretanto, estudos indicam que a posição inicial, a redação inicial da “proposta” influencia sobremaneira o resultado, usualmente em desfavor da parte revisora.

Isto porque a proposta tal como apresentada fixa em diversos aspectos os termos da negociação, sendo difícil para o compliance officer escapar da ancoragem dos termos propostos pela área comercial. Isso acontece mesmo quando o compliance officer é consciente dessa situação. Dessa forma, a existência por si da proposta já estabelece uma posição interna de superioridade da área comercial.

Além disso, como a relação diária com terceiros estebelece um conhecimento superior da área de comercial sobre o compliance, coisa que nenhuma “due diligence” pode suprir, essa assimetria de informações pode ser usada pela primeira, até mesmo omitindo certas informações não confirmáveis objetivamente, para fazer valer sua posição a favor da operação.


Fica claro, portanto, que o papel de compliance officer exige muito mais que coragem, pois esta sem conhecimento, experiência e capacidade comunicacional – seria possível escrever um livro sobre as qualidades ideais para um profissional de integridade – é apenas teimosia. Assim, além da coragem de dizer não, cabe ao compliance officer compreender a cultura do negócio e a si mesmo para poder realizar adequadamente sua tarefa.

Mas, diga-se, o conhecimento de si mesmo talvez seja mais o mais difícil a ser atingido por qualquer ser humano.

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