“O desafio existe, mas pior que não investir em integridade é ficar à margem do mercado”

“O desafio existe, mas pior que não investir em integridade é ficar à margem do mercado”

Ex-integrante da força-tarefa nda Operação Lava Jato, em Curitiba, o procurador Regional da República aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima atua com a disseminação do conceito de compliance nas empresas. Ter um programa estruturado de conformidade, defende, é a melhor prevenção para evitar problemas sérios para os negócios. E destaca que em um mundo globalizado, ter programas efetivos de compliance é um diferencial de negócios.

Para o consultor, a operação Lava Jato é um divisor de águas no compliance no Brasil. Segundo Lima, a operação faz parte da mudança de uma cultura em que o sucesso estava atrelado a práticas ilícitas. Hoje este conceito vem mudando e o programa de compliance se insere neste contexto de mudança. “A própria sociedade prestará cada vez mais atenção a questões como integridade ambiental, envolvimento em ilícitos, responsabilidade social. O desafio existe, mas pior que não investir em integridade é ficar à margem do mercado”, destaca.

Qual a importância de as empresas adotarem este programa de conformidade?

Hoje há três palavras que importam para qualquer empresa, qualquer negócio: pessoas, planeta e lucros. Não podemos dissociar nenhum deles. Assim, os negócios, os lucros, estão intimamente relacionados a uma abordagem ética da vida em todos os sentidos. É preciso respeitar o meio ambiente, é preciso cuidar das relações com consumidores, com parceiros, é preciso evitar que o crime se utilize de qualquer forma da empresa. Essa realidade veio para ficar. As empresas podem aprender isso pelo amor ou pela dor. Seja porque se acredita em um mundo melhor, seja porque se deseja evitar boicotes de consumidores, afastamento de stakeholders ou mesmo operações policiais. Uma empresa moderna deve aderir ao compliance

Como o compliance agrega ao desenvolvimento de um empreendimento?

Hoje, em um mundo globalizado, ter programas de compliance efetivos, certificados, é um diferencial de negócios. Empresas transnacionais só vão se relacionar com quem tem compliance efetivo. Grandes empresas brasileiras somente vão se relacionar com quem tem compliance efetivo. Consumidores somente irão se relacionar com empresas limpas, que respeitem os seus direitos e possuam um claro compromisso com a ética. Não bastasse, temos de ver que o compliance evita problemas seríssimos para a empresa. Estar envolvida em uma irregularidade, em um escândalo, em uma operação policial pode ser danoso não só para a reputação da empresa, mas pode refletir na sua saúde financeira, na sua estabilidade econômica e, em casos gravíssimos, pode implicar risco à própria sobrevivência do negócio. Como sempre, em casos de saúde, o melhor é prevenir, e compliance é principalmente prevenção.

Todas as empresas podem ter em suas rotinas o compliance implantado?

Qualquer programa de com pliance deve obedecer a duas linhas básicas complementares. Primeiro, deve ser eficaz para prevenir os riscos de conformidade específicos de cada em presa. A primeira coisa após o comprometimento da empresa com a implantação do programa é compreender os riscos da empresa em seu ambiente de negócios. Considerando isso, há que se montar um programa de compliance inteligente, econômico, que atinja a finalidade semonerar em demasia o orçamento. Afinal, compliance não é o negócio, o “core” da empresa, e por isso precisa ser construído de modo a otimizar recursos. Tendo em conta esses dois fatores, creio que todas as empresas de médio porte para cima devem ter um programa estruturado de compliance. Mas isso não significa que pequenas empresas estão livres da conformidade, pois todos devem agir de forma ética e obedecer às leis e regulamentações. Apenas estas empresas menores podem ter soluções simplificadas e uma sobreposição das funções de compliance com outras funções internas.

Muitas organizações vêm intensificando processos para combater e evitar irregularidades nas empresas nos últimos anos. O senhor acredita que atuações como a da Operação Lava Jato reforçam e divulgam a relevância do assunto?

É inegável que a operação Lava Jato é um divisor de águas no compliance no Brasil. Desde a lei de Lavagem de Dinheiro, o setor financeiro vem adotando programas de compliance para a prevenção desses crimes. Ainda é o setor de ponta a esse respeito. Mas com a lei Anticorrupção e a operação Lava Jato, que nas cem quase no mesmo período, as obrigações de conformidade ampliaram-se tremendamente, especialmente com as revelações dos diversos esquemas de corrupção no poder público. Hoje temos que falar de compliance ambiental, trabalhista, tributário, anticorrupção contra lavagem de dinheiro, contra trabalho escravo, etc. Um elenco interminável que deve ser adequado ao perfil de atuação da empresa. A operação Lava Jato também jogou luz a um aspecto menos conhecido do compliance, que eu chamo restaurativo, em que se trabalha a superação de situações de crise em virtude do envolvimento da empresa em uma desconformi dade. Nesse aspecto falamos em investigações internas, acordos com o poder público, mitigação de sanções, e até mesmo monitoria externa sobre o programa. Saber lidar com essas situações é uma verdadeira arte e exige um trabalho realmente multidisciplinar. Hoje, portanto, compliance é prevenir, mas também restaurar a reputação da empresa, permitindo que o negócio retome sua função social de geração de emprego e renda.

De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), divulgado pela Transparência Internacional, o Brasil ocupa a posição Como mudar este cenário a partir da adoção de um programa de compliance?

A mudança de uma cultura parte da decisão interna de cada empresa, da opção consciente de cada administrador, de cada funcionário. Vivemos em uma
cultura em que o sucesso ainda está atrelado a práticas ilícitas. Admiramos até bem pouco tempo empresários cujos impérios foram construídos em cima de relações promíscuas com o Estado. Vemos políticos tomando vinhos que custam milhares de reais sem sequer possuírem fonte de recursos lícitos e declarados para tanto. Precisamos mudar esse paradigma da república do compadrio, pois somente assim teremos como mudar a cultura popular do jeitinho, da lei de Gerson. O exemplo vem de cima, e para isso temos de ter novas operações Lava Jato e colocar corruptos na cadeia efetivamente. A prevenção se dá pelo exemplo de que fazer o malfeito não ficará impune. O programa de compliance se insere neste contexto de mudança. De um lado as empresas dizendo não para a corrupção, de outro, o Estado punindo os criminosos.

Quais são os maiores desafios do compliance atualmente?

O maior desafio do compliance hoje é convencer os empresários de que ele é necessário, imprescindível mesmo, para um negócio moderno. Ainda há muitas resistências à implantação de um programa de compliance por questões de custo. Mas o compliance não é apenas uma moda passageira, ele veio para ficar. As relações com grandes empresas serão cada vez mais pautadas na confiança umas nas outras. Licitações governamentais exigirão dos licitantes que comprovem a existência de programas de conformidade. A própria sociedade prestará cada vez mais atenção a questões como integridade ambiental, envolvimento em ilícitos, responsabilidade social. O desafio existe, mas pior que não investir em integridade é ficar à margem do mercado.

O senhor é autor do livro Compliance bancário. A experiência como integrante da força-tarefa da Lava Jato, uma das mais exitosas investigações contra fraudes e corrupção no Brasil, contribuiu para o processo de escrita do exemplar?

Fui durante 12 anos funcionário do Banco do Brasil, uma verdadeira escola do funcionalismo público brasileiro. Depois, quando entrei para o Ministério Público, me encaminhei para o combate aos crimes financeiros. Participei das investigações sobre as remessas criminosas de valores para o exterior via contas CC5 mantidas em bancos brasileiros em Foz do Iguaçu. Depois, percebendo a necessidade de aperfeiçoamento, fiz meu master of laws, com ênfase em crimes do colarinho branco e instituições financeiras, em Cornell, uma das universidades americanas mais prestigiadas. Por fim, participei das investigações da operação Lava Jato, onde pude utilizar todo o conhecimento que angariei. Foi uma vida profissional bastante ativa e desafiadora que quis compartilhar nesse livro, escrito em coautoria com o amigo André Martinez. Trata-se de um livro simples, de leitura fácil, destinada ao grande público de formação diversificada que atua na área de compliance. Hoje temos de ser simples e efetivos. Assim foi minha carreira como bancário, como membro do Ministério Público e, agora, pretendo seja na advocacia.

Quais pontos o senhor destacaria para uma jornada de sucesso para o compliance?

Aqui vou repetir meu amigo André Martinez: coragem de não ceder às conveniências e às tentações. Coragem de dizer não, mas antes tentar construir um sim. Compreender as necessidades do negócio, mas também sempre ter em mente que é necessário fazer a coisa certa. Ser firme sem ser obtuso e ser correto sem ser obstáculo. Por fim ser resiliente, pois, apesar de todas as dificuldades, estar em conformidade não é para apenas um momento, mas para toda a vida

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