QUANDO O ILÍCITO COMPENSA?

QUANDO O ILÍCITO COMPENSA?

Talvez uma das mais presentes características dos brasileiros seja a de não sermos um povo consequencialista, isto é, a de que temos a tendência de “passar a mão” na cabeça daqueles que fazem algo errado, deixando de lhes aplicar a sanção pelo seu comportamento. Parece que não nos sentimos confortáveis com o papel de punir outras pessoas, preferindo sempre acomodar a situação em vez do conflito.


Isso acontece em todos os níveis, seja na administração pública, com seus inúmeros REFIS, no Judiciário, com seus intermináveis recursos, e mesmo nas empresas, sempre temerosas dos processos trabalhistas que eventuais punições possam causar. O resultado, em uma visão ampla e geral do problema, é uma impunidade crônica e uma consequente “aposta” contra o sistema.

Você leitor já deve ter se sentido, por assim dizer, um otário em cumprir regras e ver outros, inadimplentes, serem beneficiados pela inércia ou inefetividade do sistema. Um executivo pode pensar que é melhor apostar que haverá um novo refinanciamento dos impostos em vez de pagar os tributos; o dono do negócio pode acreditar que não será pego se subornar um oficial para ganhar uma licitação, pois, mesmo que descoberto o crime, haverá sempre mil e um recursos para não ir preso; enfim, todas essas situações de impunidade que são confirmadas na prática e que geram a percepção social de que “o ilícitocompensa”.


Esse tipo de comportamento de alheamento e não-conflito acontece principalmente quando nos sentimos distantes da vítima, como se diz, como exemplo, do dinheiro da “viúva” ou dos resultados para a empresa. Assim, por não sentirmos que o Estado é financiado com nosso dinheiro, que serviços públicos não são um favor, que o sucesso da empresa significa a manutenção do emprego, etc.,tornamo-nos indiferentes ao ilícito e até mesmo simpáticos àquele que agiu errado.

No que se refere ao compliance, é preciso quebrar esse vício cultural, pois de outra maneira haverá um desincentivo para o comportamento correto na empresa e pela empresa.

Assim, se uma irregularidade for percebida, ela deve ser adequadamente investigada e, mediante um procedimento justo, se houver um responsável, ele deve ser punido na medida de sua culpa. Simples assim, mas tenho certeza de que ao final da leitura da última frase uma dúvida surgiu para você, afinal, errar é humano e a misericórdia é divina, não é? Entretanto, sob o ponto de vista de prevenção geral, devemos fazer o que é justo, o que significa dar a cada um o que é seu, mesmo que seja uma sanção.


Entretanto, por obvio, isso não significa que todas as irregularidades que surjam tenham que ter uma pessoaresponsável, pois muitas vezes elas decorrem de falhas em procedimentos e sistemas, ou até mesmo de eventos imprevisíveis. Mas é sempre importante a realização de investigação para ser determinada a natureza da falha e sua correção.

Falhas em sistemas e rotinas são um convite para criminosos, pois na maior parte das vezes os crimes corporativos são cometidos por aproveitamento dos descuidos da empresa. O acompanhamento da investigação dessas falhas é tarefa essencial do compliance, mesmo que muitas vezes elas se refiram a aspectos meramente técnicos que não impactem nem a reputação, nem coloquem a empresa sob risco de sanções. O importante neste caso para o compliance é criar um ambiente sadio e responsável na empresa fazendo ver a todos os stakeholders que todas as irregularidades serão investigadas e que os interesses do negócio são maiores que eventuais benefícios que esses comportamentos possam trazer no curto prazo para a empresa, incentivando a conformidade espontânea e desincentivando apostas contra o sistema.

Além disso, para aqueles que se beneficiem de alguma forma de maneira pessoal de um ilícito, a aplicação de uma sanção justa informará a todos sobre o comportamento esperado e representará justiça para aqueles que cumprem suas obrigações. Não se trata de punir por punir, mas de dar efetividade ao sistema como um todo. Quando um ilícito compensa, então? A resposta é simples: quando não é descoberto; e se for descoberto, quando não é punido.

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